Um espaço para navegarmos na linguagem da Arte. O verso que se encontra repetida vezes é do poeta Jorge de Lima - emprestado de sua obra maior, Invenção de Orfeu (1952) –, que sintetizou a premissa da 29ª Bienal de São Paulo. E agora, novamente emprestada por mim. O meu desejo com esta ferramenta educacional, é navegarmos juntos. E num futuro próximo, concretizemos nossos sonhos. E porque não, começarmos em nossas aulas? Boa viagem!!! Márcia Cunha - Professora de Arte
domingo, 7 de abril de 2013
TUDO SOBRE AS HISTORIA EM QUADRINHOS
http://www.irdeb.ba.gov.br/tve/catalogo/media/view/308
MANUAL DO ROTEIRISTA DE HQ
por Gian Danton e ABS Moraes
COMECE DO COMEÇO
Isso aí. Suponhamos que você seja um futuro roteirista de HQs. Como
começar, afinal? Tudo bem, não se aflija. Vamos tentar responder suas
perguntas. A primeira coisa que deve ocorrer a alguém é a IDÉIA, uma
coisa gozada e avassaladora depois da qual se pensa: "uau, isso vai
vender feito água!". Pobre...zinho. Não, não é nada disso, garoto. Às
vezes você vai precisar TER uma idéia sem que a MUSA venha bater a sua
porta. Isso significa que você deve contar mais com seus próprios
recursos imaginativos do que com a já citada e brevemente esquecida
MUSA. "Então" você se pergunta "como é que eu faço pra ter a tal idéia?"
Primeiro, relaxe...pegue uma xícara de café.....
....Mas vamos ao trabalho.
Você precisa ter uma idéia, mas não consegue e isso só pode significar
que não está se alimentando bem. "Mas o que é que alimentação tem a ver
com isso?" e eu respondo, com um sorriso sarcástico, em guarda: Tudo e
nada. Se estiver pensando em comida, você é só mais um glutãozinho e não
um escritor de VERDADE. Portanto, nada a ver com alimentação. Mas se
pensou em seu cérebro, esse órgão tão pouco utilizado, em alimentá-lo e
acarinhá-lo, aí, sim, estamos nos entendendo. Primeiras coisas primeiro,
como dizem os gringos. Você deve ler, assistir a bons filmes, ouvir boa
música etc., ler, ler coisas boas e ruins e não só livros, mas também
revistas, jornais, bula de remédio,
receitas, enfim, você deve ser um leitor do MUNDO. Então, tendo o
cérebro alimentado, voltamos à questão da idéia: como encontrar uma
quando se precisa, ou melhor, como encontrar uma BOA idéia quando se
precisa dela? Resposta: As idéias estão todas dentro de você e a única
coisa que deve fazer pra encontrar a boa é ser esperto. E como se faz
isso? As idéias boas são como uma agulha no palheiro. Como encontrar uma
agulha no palheiro? Você se senta nele. Vai doer a princípio, mas você
se habitua.
STORYLINE, PLOT AND SHIT
Agora que encontrou a idéia você deve extraí-la com cuidado e limpá-la,
sempre lembrando que não basta que ela seja boa, ela precisa ser bem
executada. Tendo isso em mente, pense no STORYLINE. Mais uma coisa que
você desconhece, certo? Ah, já sabe o que é, não?! Mas vamos lembrar,
mesmo assim. Se sua idéia é boa, você deve ser capaz de contá-la em 5
linhas no máximo. Ela deve ser capaz de resistir a esse processo e se
você não conseguir realizá-lo, significa que a idéia não está muito
clara em sua cabeça e você deve voltar e pensá-la um pouco melhor. Não
se preocupe, muita gente já fez isso antes de você. Quer um exemplo, né
não? Seguinte: já ouviu falar em Shakespeare? Pense agora em "Romeu e
Julieta". Ok, muito bem. Resuma, no máximo, em 5 linhas. Conseguiu? Você
deve obter algo assim: "Romeu e Julieta" é a história de um amor
proibido que termina em tragédia pois os jovens amantes são filhos de
famílias inimigas. Bem resumido, não? Como exercício, tente fazer o
mesmo com qualquer livro, gibi ou filme de seu gosto; remonte ao básico
e depois dê carne à coisa, faça o PLOT.
Bem, e o que seria o plot?! O PLOT é o estágio da idéia em que você já
nomeou todos os personagens, desenvolveu toda a trama e chegou à
conclusão de qual seria o desfecho apropriado para a sua história. Mais
um exemplo, aproveitando o já citado "Romeu e Julieta": As famílias
inimigas Montéquio e Capuleto têm uma desavença a tanto tempo, tão
tradicional, que já nem se lembram mais qual o motivo originário para a
sua existência. Mesmo assim, mantêm a tradição e continuam inimigas.
Romeu é o jovem filho de uma das famílias envolvidas na história e leva
muito a sério essa coisa de inimizade. Tanto que desafia e é desafiado o
tempo todo por um dos membros da família rival, um jovem que tem
aproximadamente sua idade. As coisas se desenrolam com velocidade. Romeu
é desafiado e desafia, luta, vence, foge e assim por diante, até que um
dia resolve se aventurar numa festa promovida pela família inimiga. É um
baile de máscaras e ele entra incógnito. Lá, conhece aquela que viria a
ser o GRANDE amor de sua vida, Julieta. Mas existe um pequeno problema,
um problema que envolve a tradição a qual Romeu está tão apegado:
trata-se da filha do rival de seu pai. Poderá Romeu levar seu AMOR a uma
conclusão e " viver feliz para sempre" com Julieta? O resto da história
você já conhece. Eles se casam secretamente, ele assassina o primo dela,
sua relação é descoberta e proibida em definitivo, decidem simular
suicídio só que tudo dá errado etc, etc, ad nauseam...
O QUE É UM ROTEIRO E PARA QUE SERVE
Durante algum tempo da história dos quadrinhos, desenhista e roteirista
eram a mesma pessoa. Em outras palavras, havia uma só pessoa, que bolava
a história, escrevia, desenhava e, em alguns casos, até fazia o
letreiramento. Mas com o tempo foi possível perceber que nem todo bom
desenhista é também um bom roteirista. Para ser bastante sincero, logo
ficou claro que alguns desenhistas eram quase analfabetos. Foi quando
surgiu a figura do roteirista. Creio que o primeiro grande roteirista
foi Lee Falk, autor de Mandrake e Fantasma. Falk criou verdadeiras
lendas e tinha total controle sobre elas. Mas como ele podia fazer isso?
Afinal, ele era apenas o escritor... Como ele poderia fazer com que o
desenhista ilustrasse a história exatamente como estava em sua cabeça?
Se você respondeu "através do roteiro", ganhou um doce.
O roteiro é uma invenção genial. Ele permitiu que uma pessoa incapaz de
desenhar um círculo fizesse quadrinhos. Ele permitiu que artistas que
não se conhecem, e nem mesmo moram no mesmo país, possam trabalhar
juntos. E, finalmente, o roteiro abriu a possibilidade dos quadrinhos
alcançarem uma qualidade literária e gráfica inimaginável. Portanto, o
roteiro é um veículo através do qual o escritor consegue orientar o
desenhista, levando-o a ilustrar a história exatamente como ele
imaginara.
OS TIPOS DE ROTEIRO
Se fôssemos dividir os tipos de roteiro, encontraríamos duas modalidades
principais. A primeira é aquela que chamamos de roteiro e nos EUA é
denominado de full script. A outra é o argumento, ou Marvel Way.
FULL SCRIPT
Nesse caso, o roteirista descreve detalhadamente cada quadro de cada
página, inclusive com os textos e os diálogos. O objetivo é passar ao
desenhista todas as informações sobre como o roteirista pensa a história
e convencê-lo a seguir os passos indicados pelo roteiro (regra básica de
um roteiro: nunca seja chato). Além da descrição objetiva da cena, o
full script pode fazer considerações psicológicas sobre os personagens.
Sua motivação na cena, por exemplo.
Um full script padrão seria algo mais ou menos assim:
Página 1
Quadro 1 - João está andando na rua de uma grande cidade. Ele é alto,
magro
e branco. João parece estar triste e algumas pessoas olham para ele,
comovidas com seu sofrimento.
Texto: Hoje não foi um bom dia.
João: Preciso melhorar a minha vida!
O full script pode evoluir para um texto "à prova de desenhista". Isso
significa que, independente da qualidade ou do estilo do ilustrador, o
resultado será semelhante. Os mestre dos roteiros à prova de desenhista
são Alan Moore e Neil Gaiman.
Os roteiros de Moore são tão detalhados que torna-se impossível o
desenhista "escorregar", ou seja, fazer alguma besteira. Nessa
modalidade descreve-se tudo, até a angulação a partir da qual vemos a
(de cima para baixo, de lado) e até as roupas dos personagens. Um
roteiro full script seria algo mais ou menos assim:
Página 1
Painel 1- Externa, dia, plano geral, altura normal. Em primeiro plano
vemos:João, o protagonista da história que aparece neste painel, está
andando pela calçada de uma avenida da cidade grande. Ele é mostrado de
frente neste primeiro momento pra que o leitor, posteriormente, tenha
familiaridade bastante com sua aparência pra reconhecê-lo de imediato. É
alto, mas não tão alto, mais como uma pessoa que ultrapassou um pouco a
estatura média do brasileiro comum, digamos que 1.80 m.; branco, não
pálido; magro, mas sem ossos pronunciados. Background: prédios de
escritórios, lojas de departamento, lanchonetes e afins podem ser vistos
de ambos os lados da rua. Carros passam zunindo pela rua em altas
velocidades. Pessoas nas calçadas de ambos os lados da rua observam
enquanto João passa e não podem deixar de se compadecer com o sofrimento
e angústia que ele demonstra. Sua expressão deve transmitir os
sentimentos acima mencionados, não esqueça.
Texto: Hoje não foi um bom dia.
João: Preciso melhorar a minha vida!
Como se vê, há uma grande quantidade de detalhes que orientam o
desenhista e garantem que ele faça exatamente o que o roteirista pensou para a cena.
Isso faz com que o escritor, embora não seja o responsável pelo resultado
final, tenha total controle sobre ele.
O ARGUMENTO OU MARVEL WAY
Na década de 60 Stan Lee era um cara muito ocupado. Ele escrevia uma
série de personagens: Capitão América, Homem-aranha, Homem de ferro,
Doutor Estranho, Hulk, Surfista Prateado, Demolidor, Quarteto
Fantástico, Os Vingadores e mais algumas bobagens. Qualquer um que já se
aventurou a escrever um roteiro de quadrinhos deve se perguntar: afinal
de contas, como ele conseguia escrever tantos títulos e ainda ser editor
das revistas?
A resposta é o marvel way, ou argumento. Stan, esperto, não fazia o
roteiro descriminando tudo que aconteceria na história. Ele entregava ao
desenhista apenas uma sinopse e, depois de desenhada a história,
colocava o texto. O método Stan Lee era algo mais ou menos assim:
O tocha humana foge do Quarteto Fantástico e os outros integrantes
começam a procurá-lo pela cidade. Ele, vestido como uma pessoa normal,
entra em uma pocilga e lá encontra com Namor, que está desmemoriado. O
Tocha joga o coitado no mar e ele recupera a memória e decide se vingar
dos humanos convocando um monstro marinho. O Coisa resolve o conflito
entrando com uma bomba nuclear dentro do bicho e explodindo-a lá
dentro.
Eis o roteiro de uma revista inteira! Não admira que Stan Lee escrevesse
tantos títulos... Atualmente o método marvel, chamado no Brasil de
argumento, evoluiu para
algo um pouco mais descritivo. Os roteiristas costumam descrever a ação
da página como um todo, mas deixando para o desenhista a escolha sobre
quantos quadrinhos usar e como dispô-los na página. Algo mais ou menos
assim:
Página 2
O Coisa, O Doutor Fantástico e a Mulher Invisível saem no Fantasticarro
para procurar o Tocha. Sue fica invisível e caminha entre as pessoas.
Ela entra em um bar e toma um suco em um bar. Um homem vê e corre
assustado.
A tradição de só colocar o texto depois de feito o desenho se mantém. O
leitor deve estar se perguntando quais as vantagens e desvantagens do
método marvel.
A primeira vantagem, claro, é que ele permite ao roteirista escrever
muitas revistas ao mesmo tempo. E, se o desenhista for muito bom,
permite que ele solte sua imaginação.
Mas as desvantagens são maiores. Se o desenhista não for bom e
experiente como era Jack Kirby, o principal parceiro de Stan Lee, ele
provavelmente vai estragar a sua história. Vai fazer dela algo tão
pavoroso que nem você terá coragem de ler. Por outro lado, o método
Marvel faz com que o estilo do desenhista se sobreponha ao do
roteirista. Não é a toa que Jack Kirby dizia ser autor de todas as
histórias feitas por ele na Marvel. Afinal, o trabalho duro era todo
dele... O roteirista só precisava ter uma idéia básica e depois colocar
o texto sobre o desenho já pronto.
Faça uma experiência. Pegue histórias dos mutantes de vários
desenhistas, mas todas escritas por Chris Claremont. As histórias
desenhadas por John Byrne são completamente diferentes daquelas
desenhadas por Bill Sienkiewicz. Parece que são escritas por pessoas
diferentes. Fica difícil olhar e dizer: "Esta é uma história do
Claremont". O estilo do roteirista fica apagado diante da estética do
desenhista, algo que já não acontece quando se usa um roteiro full
script.
COMO FORMATAR O ROTEIRO
Bem, chegamos ao nosso objetivo principal: ensiná-lo como formatar o seu
roteiro. Nós não lhe ensinaremos o método marvel, pois ele é bastante
simples. Basta fazer um resumo da história e entregar ao desenhista. Um
full script requer mais trabalho e é também mais complicado. A primeira
coisa que você deve se lembrar é que um roteiro vai ser lido por alguém.
Para ser mais exato, o seu roteiro será lido por um desenhista. E,
creia-me, os desenhistas não costumam ser leitores vorazes. Assim, seu
texto deverá ser objetivo. Eu disse objetivo, não seco. Lembre-se, ele
deve ser agradável. Se for possível contar uma piadinha que esclareça o
quadro, conte. Se você tiver um objetivo com o quadro, coloque isso no
roteiro. Se você quer que o quadro lembre uma obra famosa da pintura,
não pode esperar que o desenhista advinhe isso. Toda informação é
importante para esclarecer o desenhista quanto ao caminho
que ele deverá seguir.
Dito isso, passemos ao roteiro em si. O essencial nesse tipo de coisa é
que deverá haver uma parte destinada à descrição do quadro, e uma parte
destinada ao texto e aos diálogos. Você pode fazer o roteiro em T: pegue
uma folha de papel, divida-a no meio e coloque, do lado esquerdo, as
descrições, e do lado direito as falas dos
personagens, além da narrativa.
Pessoalmente não gosto do roteiro em T porque ele limita muito a ação do
roteirista. Nele, cada página datilografada corresponde a uma página de
desenho. Mas há situações em que você precisa de mais de uma página para
descrever um painel. Já vi um roteiro do Alan Moore em que ele usa mais
de uma página de texto para descrever um único quadro. Outro problema do
roteiro em T é que ele é um pouco complicado de fazer no computador, a
não ser que você esteja usando o page maker, o que eu não aconselho,
pois esse programa foi feito para diagramação e não para digitação. No
word é muito difícil conseguir manter a página dividida ao meio e deixar
cada texto ao lado da sua descrição correspondente. O roteiro corrido é
muito mais fácil de fazer no computador. Ele se parece com um roteiro de
teatro, ou de cinema (o roteiro em T é muito usado na televisão).
Nele você vai simplesmente descrevendo as cenas, e, abaixo, coloca o
texto correspondente. Você deve começar pelo título, seu nome, a página,
e depois a descrição dos quadrinhos. Quando mudar a página, a numeração
dos quadrinhos volta ao 1.
Veja um exemplo:
O Livro dos Dias
Roteiro de Gian Danton
Página 1
Quadro 1 - Quadro grande, de ambientação. Vemos um cavaleiro cavalgando
sobre um campo florido. É um cavaleiro medieval, mas com uma série de
modificações que o identificam como sendo a versão marciana de um
cavaleiro medieval. Atrás dele há um céu bonito e montanhas ainda mais
belas. O cavaleiro segue confiante com sua lança e espada. Detalhe: o
cavalo sobre o qual ele está também é uma versão marciana de um cavalo.
Texto: Sobre as pradarias de Marte, o cavaleiro segue em direção ao seu
destino.
Texto: Ao longe, um iog suspira modorrentamente. Ele permanecerá ali até
que o sol se ponha. Então voltará para sua toca e dormirá durante toda a
noite. Cavaleiro: Saudades de minha linda Beatriz!
Quadro 2 - Quadro menor. Uma vista de cima do cavaleiro e seu cavalo.
Texto: Ele não conseguiria imaginar alguém que rivalizasse com ela em
virtudes: Beatriz é bela, ingênua e caridosa.
Texto: Axel prometeu protegê-la.
Quadro 3 - O cavaleiro agora é mostrado de lado.
Texto: Beatriz está presa na cidade de Dju'liet B'noch e o cavaleiro
teme por sua honra.
Texto: No memorável dia em que se ordenou cavaleiro, ele prometeu
proteger todas as mulheres...
Quadro 4 - Em primeiro plano temos o lagarto Iog e o cavaleiro está em
segundo plano, afastando-se de nós.
Texto: ...pois sabe que elas são o signo da perfeição, introduzidas por
Deus no mundo para que se tenha um vislumbre do que será o paraíso.
Página 2
Quadro 1 - O cavaleiro atravessando os portões de uma cidade.
Texto: Axel atravessa os portões da cidade e o que vê faz com que ele
duvide de suas convicções.
Texto: Há mulheres ali, mas mulheres fúteis, incapazes de se preocupar
com algo que não seja a fofoca do dia.
Quadro 2 - O cavaleiro agora está percorrendo uma das ruas da cidade.
Texto: No alto de uma torre, uma mulher gorda joga uma panela sobre o
marido, chamando-o de imprestável.
Texto: O cavaleiro treme. Mas não. Perigos terríveis o esperam.
Como você pode perceber, é especificada a página, o quadro, e só então
se começa a descrição da cena. A seguir é apresentado o texto (aquilo
que fica naqueles balões quadrados) e os diálogos.
Atenção: em cada fala o roteirista deve identificar quem está falando.
Lembre-se, quadrinho não é literatura. Não faça coisas dos tipo:
Quadro 2 - João e Maria estão andando na rua.
- Que dor de cabeça!
Quem está falando? Maria ou João? Aposto que você não consegue advinhar.
O mesmo ocorre com o desenhista. Antes do diálogo, coloque o nome do
personagem, assim:
Quadro 2 - João e Maria estão andando na rua.
João: Que dor de cabeça!
Agora sim, sabemos que autor da frase é João. Se Maria também tivesse
uma fala no quadro, deveríamos antepor ao texto o nome de Maria. A mesma
coisa acontece com o texto. Se for um texto, e não diálogo, coloque
isso no roteiro.
Não faça assim:
Quadro 3 - João e Maria ainda estão andando na rua.
- João está com dor de cabeça.
O que é isso? O desenhista, provavelmente, vai achar que se trata de uma
fala de Maria, e vai tascar-lhe um balão. O correto é assim:
Quadro 3 - João e Maria ainda estão andando na rua.
Texto: João está com dor de cabeça.
Sempre quando estiver escrevendo o roteiro, pense nele, visualize-o .
Imagine a página pronta, desenhada, ou então faça um esboço da página.
Isso vai evitar que você coloque coisa impossíveis de serem desenhadas.
Devem ser especialmente evitadas aquelas descrições que incluem mais de
uma ação. Tipo:
Página 1
Quadro 1 - João levanta da cadeira na sala e pega um copo na cozinha.
Quadro 2 - João abre a geladeira, coloca suco nos copos e traz de volta
à sala e oferece para o visitantes.
Esse pequeno trecho inclui uma série de ações. Primeiro temos João
levantando. Depois ele está andando até a cozinha. Ele chega na cozinha.
Ele pega um copo no armário. Ele abre a geladeira. Ele pega o suco. Ele
coloca o suco no copo. Ele sai da cozinha com o copo de suco.
Finalmente, ele oferece o suco ao visitante.
São muitas ações para dois quadros apenas, não é mesmo? Diante de uma
situação dessas, o desenhista se vê diante de duas possibilidades. Ou
ele quebra as várias ações em vários quadros, fazendo com que o número
de páginas de sua história aumente, ou ele simplesmente corta ações,
deixando-as subtendidas. Assim, ele mostra João se levantando. No quadro
seguinte ele já está na cozinha, abrindo a porta da geladeira. A ação de
andar até a cozinha e abrir a geladeira fica subtendida, e o leitor
apenas advinha que ela existiu. Em todo caso, só um bom desenhista faria
isso. A maioria ia tentar seguir seu roteiro à risca e então teríamos um
personagem clone do homem-borracha: ele está levantando da cadeira, mas
seus braços já se esticaram para a cozinha e estão, um abrindo a porta
da geladeira e o outro pegando um copo.
Já imaginou isso desenhado? Ia ficar horrível, não é mesmo?
COMO FAZER UM PROJETO
A primeira coisa que se deve fazer ao propor uma história longa (uma
graphic novel ou uma minissérie) para uma editora é um projeto. Ele
servirá para o editor perceber se a sua história funciona com muitas
páginas e perceba a viabilidade econômica da empreitada.
Mas atenção: o fato de mandar um projeto para uma editora não significa
que ele vá ser aprovado. E mesmo que seja aprovado, é possível que seja
necessário fazer alguns ajustes. Se a resposta for negativa, não
desanime. Muitos grandes roteiristas começaram tendo suas histórias
recusadas.
Essencialmente, o que um projeto deve conter? Primeiramente, ele deve
conter a trama, deve explicar tudo que vai acontecer na história. O
ideal é ser objetivo, mas isso não significa que você não possa fazer
considerações sobre a simbologia da HQ. Se, por exemplo, a sua trama for
uma adaptação de Macbeth ambientada no futuro, isso deve constar no
roteiro. Por exemplo: Essa é uma história na linha Vertigo, com
suspense, terror e violência. Toda ela será ambientada na penumbra de um
velho castelo da Escócia". Em suma, toda indicação é interessante para
que o editora saiba, caso a história seja aprovada, qual desenhista
alocar para o projeto.
Além do resumo da história, faça um perfil dos personagens principais.
Esse perfil pode revelar aspectos da história. Se, por exemplo, um
personagem começa a história como amigo do mocinho e acaba traindo-o,
isso deve constar no projeto. Veja um perfil, tirado de um projeto de
Alan Noronha:
Ariadne - garota forte e pé no chão. Veio do interior. O nome significa
"aquela que cura", ou "que alivia". Ela é doce, apesar de firme. Tem
traços indígenas e olhos orientais ótimos para metáforas. Leitora de
Fernando Pessoa. Tem uma paixão secreta por seu professor.
Como em geral um projeto é usado para histórias longas, nele devem
constar, além da trama principal, as tramas paralelas. O roteirista deve
definir também como será contada a história. Ele irá usar flash back? A
narrativa será linear? Como será o foco narrativo? No caso do flash
back, como ele imagina que seria feita a diferenciação entre as cenas do
passado e as cenas do presente? Todas essas informações são importantes.
Além da forma e dos personagens, o projeto deve conter também a
ambientação. Onde se passa a história? Em que ano? Qual o clima da
história? No caso de uma história futurística, cabe dissecar os
principais aspectos dessa sociedade futurista.
O ideal é que, em uma história longa, tudo seja pensado. Em Watchmen,
por exemplo, até a lanchonete Gunga Dinner tem uma história. Ela foi
fundada na década de 60 por um indiano que emigrou para os EUA fugindo
da grande fome que assolou seu país naquela década (claro, tudo isso é
fictício). Especifique o máximo de coisas sobre a ambientação em seu
projeto. Isso vai Ter dois méritos. O primeiro deles é mostrar ao editor
que você realmente tem o domínio sobre o ambiente em que se passa a
trama. O segundo é que isso servirá de guia para você mesmo quando
estiver escrevendo o roteiro. No caso de uma HQ que se passe no passado,
também é importante acrescentar a ambientação. Até porque você estará
demonstrando que pesquisou para escrever sua história. A pesquisa no
caso de uma HQ histórica é fundamental. Deve-se assistir filmes,
documentários, ler livros, ver ilustrações. Só isso pode impedir que
você cometa escorregões.
Digamos, por exemplo, que você coloque um personagem comendo pizza em
plena Idade Média. Legal, né? Se vou mostrar um italiano, vou colocá-lo
comendo pizza. Só há um problema: a pizza, como nós a conhecemos hoje,
só surgiu depois da descoberta da América, pois um dos seus ingredientes
básicos, o tomate, não existia na Europa. Se você fez uma exaustiva
pesquisa sobre o período em que se passa a história, demonstre isso no
projeto. Isso irá deixar o editor mais tranqüilo quanto ao seu
conhecimento de causa.
CONFLITO
Ok, ok. Agora você já sabe escrever seu roteiro. É um expert! Aí você
faz sua primeira história. Se fizéssemos uma sinopse de sua obra-prima,
ela sairia mais ou menos assim:
Um grupo de três amigos vai acampar. Eles chegam, montam a barraca,
dormem. No dia seguinte andam pelos arredores. Almoçam. Voltam para casa
felizes da vida com o passeio. É impressão minha, ou está faltando
alguma coisa? O que você acha? Essa história tem alguma graça? Alguém
pagaria para ler algo assim? Você pagaria? Se você respondeu não, então
estamos de acordo. Falta história. Falta um conflito. O conflito é o que
move a história, tornando-a interessante.
Nas histórias de super-heróis esse conflito é geralmente representado
pelo arranca-rabo entre o vilão e o herói. Mas, na nossa histórinha
sobre o grupo de amigos, poderíamos acrescentar algum conflito sem que
seja necessário apelar para um super-vilão? Sim, isso é possível.
Vamos imaginar, por exemplo, que um maníaco assassino está à solta
justamente no local em que eles resolveram acampar. Alguém aí assistiu a
Bruxa de Blair? A história era mais ou menos assim: um trio de cineastas
vai filmar um documentário sobre uma bruxa e se perde na floresta, sendo
perseguidos pela bruxa.
Digamos que nosso orçamento não nos permitiu incluir uma bruxa no filme.
Na verdade, nem mesmo temos dinheiro para contratar um outro ator. Então
podemos transportar o conflito para dentro do trio. Um deles pode brigar
com os outros e sair pela floresta, perdendo-se. E a história é a
tentativa dos outros de encontrá-lo. Importante lembrar que nem sempre o
conflito precisa ser entre seres humanos. Eles podem ser atacados por um
animal da floresta, por exemplo. Há uma história muito boa do Arquivo X
em que eles estão na floresta e são atacados por abelhas assim que
anoitece. Um dos conflitos mais interessantes é o conflito contra o
destino. As histórias do teatro grego eram ótimos exemplos disso. Édipo
Rei, por exemplo, mostra a luta do ser humano contra o destino. E ele
perde, demonstrando que, para os gregos, não havia como escapar do
destino. Na nossa HQ o destino poderia ser representado por
contra-tempos que impedem o grupo de chegar ao destino. Eles vão de
carro e o carro quebra. Eles pegam um ônibus. O ônibus acaba sendo
assaltado. Eles vão para a delegacia. Uma vez lá, são confundidos com
bandidos perigosos e fogem. Quando acaba o final de semana e eles voltam
para casa, estão mais cansados e estressados que antes. Então, não se
esqueça: dominar as técnicas de roteiro não adianta nada se você não
consegue colocar conflitos na sua HQ.
A RELAÇÃO ROTEIRISTA E DESENHISTA
Como se dá a relação entre roteirista e desenhista?
Boa pergunta. Alguns roteiristas simplesmente se limitam a escrever
roteiros não muito detalhados contando suas histórias. Outros são um
tantinho obsessivos e vão fundo quando se trata de manter a integridade
de sua obra. Mike Baron, por exemplo, é um desses últimos. Além de
escrever o roteiro de sua história, ele também faz um "rough" da página,
ou seja, esboça a história em traços não muito expressivos que devem ser
seguidos pelo desenhista de plantão. Keith Giffen faz o mesmo.
Obviamente não podemos dizer que Giffen é puramente um roteirista. Ele
é, acima de tudo um desenhista, portanto, seus roteiros devem vir sempre
acompanhados dos já citados "roughs", só que estes devem ser um bocado
mais precisos dosque os feitos por Baron e, além disso, devem também
conter o texto que acompanha a história.
Diferente, mas nem tanto, é Alan Moore, o já tão citado roteirista que
criou o "roteiro a prova de desenhista". Só que em alguns trabalhos
Moore não é tão obsessivo quanto em outros. Veja, por exemplo, a
mini-série do "Violador". Nela você descobre como ele criou, além dos
roteiros, esboços de páginas que deveriam ser seguidos pelo desenhista.
O que talvez você não saiba é que Moore é um desenhista frustrado. No
início de sua carreira ele criou um personagem para uma tira de jornal
chamada "The Magic Cat" e ele não só escrevia como desenhava. Depois
descobriu que sua força estava mesmo em escrever e resolveu se dedicar a
isso. Enviou vários roteiros à 2000 a.D. e cada vez mais deles eram
aceitos. Então veio o reconhecimento e logo depois o reconhecimento
internacional. Mas chega de história. Falei disso por um motivo, que é o
seguinte: Moore não dá muita liberdade para que o desenhista faça o que
tem vontade, ao contrário, ele diz tudo o que deve aparecer nas páginas
por ele escritas, inclusive a diagramação... este foi, se não me engano,
o motivo pelo qual brigou feio com Bill Sienkiewicz que nunca terminou
de desenhar "Big Numbers". Liberdade criativa. Outros desenhistas, no
entanto, apreciam esta característica do trabalho de Moore, haja visto o
resultado de um de seus projetos mais sérios: "From Hell". Neste
trabalho, Eddie Campbell (que é também um excelente escritor) reduziu-se
a desenhar exatamente o que estava escrito nas páginas dos roteiros de
Moore. Como posso afirmar isso com tanta certeza? Bem eu li os roteiros
dos 3 primeiros capítulos de "From Hell" e descobri isso. Mas chega de
Alan Moore.
Outro roteirista que vem fazendo ondas no mercado de quadrinhos já há
algum tempo é Warren Ellis. Ele, ao contrário de Moore, seria o modelo
de roteirista que todo desenhista gostaria de ter por perto. Apesar de,
por vezes, usar o assim chamado FULL SCRIPT, Ellis o adapta à força do
desenhista. Quer um exemplo? "Not dead yet" (traduzido no Brasil como
"Duro de matar", uma história de Wolverine) foi elaborado para atender o
conhecimento de roteiros do desenhista, Leinyl Francis Yu. Como o rapaz
estava acostumado a desenhar a partir de roteiros no "Marvel way", Ellis
desenvolveu um tipo de escrita que descrevia somente os ambientes com as
cenas e os diálogos e textos, sem se responsabilizar pelo "pacing" da
história ou qualquer outra coisa. Simplesmente algo como um roteiro de
cinema, no qual o responsável por fazer as coisas acontecerem não é o
roteirista e sim o diretor, que é quem quebra as ações em cenas e as
cenas em takes e, enfim, dirige. Acho que é isso.
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